quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Cap. 10 - A Regressão

Todos passaram o resto da noite conversando casualmente próximos da lareira, até mesmo Miguel, que parecia mais à vontade desde a chegada de Sophia.


Os assuntos variavam desde a luta recente, até como era a rotina de cada uma das “famílias”. Próximo às 5 horas da manhã, Dani começou a parecer cada vez mais cansada, logo desistindo de ficar acordada e subindo para seu quarto. Antes que Hector começasse a fazer o mesmo, Isabel o interrompeu.

Vendo as intenções do amigo, a garota levantou de sua poltrona e se aproximou do garoto que estava sentado no chão próximo do fogo. Ela botou levemente a mão em seu ombro e curvou o corpo, de modo que seu rosto ficasse na mesma altura que o do vampiro.

- Aja como se fosse dormir... – sussurou a garota, baixo suficiente para que apenas ele ouvisse, mesmo com os sentidos extremamente aguçados dos lobisomens. – Vá para o meu quarto e me espere lá...

Ele achou aquilo um pouco estranho, mas aparentemente a garota queria falar de algo importante com ele.

- Bom – começou a falar alguns minutos depois – Acho melhor eu ir descançar também...

- Nos vemos amanhã então, durma bem – respondeu Gilherme.

- Boa... “noite” – disse Sophia, em meio a risadas e aparentemente satisfeita por todos rirem de sua piada.

Terminadas as despedidas, o vampiro lentamente saiu da sala e subiu as escadas. Ele precisou parar por um momento, tentando lembrar onde era o quarto de Isabel. Ele lembrava que era próximo ao de Dani e se ele entrasse no quarto errado, provavelmente iria se incomodar... Ignorando esse pensamento, ele decidiu entrar em uma das duas portas daquela área, aparentemente o quarto certo.

O quarto inteiro era em tons de cinza. Havia um computador provavelmente bem atualizado, uma televisão de plasma com um Playstation 3, um Xbox e um terceiro que ele nunca ouvira falar. Por todas as paredes do quarto havia posters: um do Green Day, um do Avenged Sevenfold, um do Linkin Park... O gosto musical de sua amiga nunca o decepcionava. O vampiro passou mais alguns momentos admirando o quarto, sentindo um pouco de vergonha do buraco onde morava. Ele até tinha dinheiro suficiente pra comprar algo parecido, mas era meio dificil quando se estava teoricamente morto...

Hector entrou no quarto, fechando a porta silenciosamente. Isabel pedira que ele esperasse, mas não deu nenhuma previsão do quanto. Ele sentou na cama da garota, não conseguindo evitar de comparar aquele colchão extremamente macio e confortável com o de sua casa. A idéia de convidar Daniella para dividirem uma casa como aquela era cada vez mais tentadora.

Lentamente ele se deitou. Eles poderiam fazer pequenos trabalhos, conseguindo o dinheiro necessário para manter a casa. Eles podiam até mesmo contatar algumas pessoas do clan para arranjar uma identidade para ter um emprego fixo e quem sabe até mesmo tentar novamente a faculdade. Considerando sua expectativa de vida desconhecida, ele poderia ser doutor em direito, medicina, engenharia... ele não precisava escolher uma entre elas... ele não precisava escolher nem mesmo uma área de especialização... ele podia fazer todas elas...

Antes que ele pudesse continuar com suas divagações, Isabel entrou no quarto.

- E aí, que achou da decoração? – perguntou a garota em voz baixa – Legal, né?

O orgulho era evidente nos olhos da garota.

- Sim, sim. Botou meu cafofo no chinelo – respondeu, dando uma leve risada – Então, sobre o que você queria falar comigo?

- Ah, sim...

Isabel parecia não saber por onde começar aquele assunto. Talvez tivesse sido melhor ter esperado um pouco para fazer aquela pergunta...

- O que aconteceu entre você e a Dani nesses anos? Houve algum avanço... naquilo?

Então era sobre aquilo que ela queria falar... Isabel sempre soube dos sentimentos que ele tivera por sua amiga. Ela sempre tentara ajudá-lo a atingir seu objetivo com a garota, mas, depois daquela noite, ela não ficou sabendo de mais nada. Pelo menos até aquela noite, quando Dani contou-lhe uma versão resumida do ocorrido.

- Bom, digamos que eu fiz um avanço, mas não da maneira que você esta pensando.

- Ahn... Como assim? – a confusão era evidente em seu rosto.

- Como eu posso explicar... Depois de tudo aquilo ter acontecido por minha causa – ele viu que a amiga ia interrompê-lo, mas fez sinal para que ela esperasse ele terminar de falar primeiro - eu decidi que iria suprimir, superar aquele sentimento estúpido. Eu prometi que nunca mais causaria algo como isso a alguém por minha ingenuidade, que eu faria de tudo para impedir que alguém importante para mim sofresse como eu fiz a Dani sofrer.

Isabel ficou encarando o amigo, incrédula, por alguns instantes, deixando ele sem saber o que falar. Finalmente ela pareceu voltar a si. Mas sua resposta surpreendeu o vampiro, deixando-o sem saber como reagir.

- Tu é idiota? – aquilo realmente pegou Hector desprevenido – Que besteira toda é essa? Tua culpa? Sentimento estúpido? Você só pode estar de palhaçada comigo.

Dessa vez foi ele que encarou incredulamente a amiga.

- Mas Isabel... Se eu não tivesse tentado falar aquilo com ela... Ela teria ido com você e...

- Virado uma licantropa comigo, e você seria o único vampiro. Não seria muito diferente.

- Mas... Se eu tivesse tido a coragem! – o garoto estava começando a perder um pouco o controle - Ela não teria visto a Elisabeth!

Antes que ele continuasse o surto e acordasse a todos, Isabel deu-lhe um tapa no rosto. Apesar da força do golpe, ele não se machucou. O efeito foi quase que completamente psicológico.

- Não tente se enganar! Você sabe muito bem que ela teria avançado sobre vocês da mesma forma. A situação dela não era exatamente boa, sabe?

Hector realmente não sabia o que falar. Além de surpreso, ele simplesmente não conseguiu achar uma contra-argumentação.

- E prometer fazer de tudo para proteger suas amigas? Francamente! – mesmo falando baixo, para não ser ouvida pelos outros, era possível notar a diferença em seu tom de voz – Você por acaso acha que é algum personagem de desenho animado ou quadrinhos? E além do mais, quem disse que nós precisamos que você nos proteja? Em que momento a Daniella ou eu pedimos sua ajuda em uma luta ou problema? Caso você não tenha notado, nós lutamos tão bem quanto você. Se você me disser que quer lutar lado a lado comigo e com ela, como companheiros igualmente capazes, tudo bem, mas querer dizer que vai nos proteger... Francamente! Eu achei que você tinha amadurecido, não o contrário.

Passaram-se alguns minutos e nenhum deles disse uma única palavra. O vampiro ainda estava meio que em estado de choque.

- Desculpa se eu fui um pouco grosseira... – disse a garota, quebrando o silêncio – Mas você mereceu cada palavra.

- Eu... Eu sei... Nunca haviam me dito isso dessa maneira... Eu nunca havia pensado dessa forma...

Aquilo era uma mentira. Ele já havia pensado em quase tudo aquilo, mas ele não queria aceitar que a decisão mais importante que ele já tomara fora errada.

- Então, Gabi, vai voltar a tentar alguma coisa com a Dani?- seu tom era completamente diferente agora.

- Acho que... Não sei, realmente não sei... Muita coisa mudou, não acho que essa seria a melhor decisão...

- Vai deixar tudo de lado então?

- Não sei... somente o tempo dirá...

Dito isso eles mudaram de assunto, falando de tudo o que aconteceu. Hector contou a Isabel sobre os planos para o futuro que ele acabara de bolar, e a amiga pareceu muito interessada na idéia. Sem que eles notassem, o dia inteiro se passou e já era noite novamente quando eles terminaram a conversa.




Quando Daniella acordou, era por volta de seis horas da noite, o sol havia acabado de se por. Ela, lentamente, sentou-se na cama. Olhou ao redor procurando suas roupas. Como estavam sujas da batalha, ela havia tomado um banho e tirado elas para dormir. Foi uma sorte ninguém ter entrado no quarto antes de ela acordar, uma vez que a vampira havia jogado todas as cobertas no chão enquanto dormia e estava completamente... exposta. Não querendo abusar da sorte, a garota correu até onde estavam suas roupas e as vestiu. O odor de sangue, apesar de não muito forte, era repugnante. Ela precisava passar em casa e pegar roupas novas...

Depois de se vestir e pôr um pouco de perfume que ela achou no banheiro da suíte, saiu e foi em direção ao quarto de Isabel. Talvez ela pudesse lhe emprestar alguma roupa por enquanto.

Ela parou na frente da porta e teve a impressão de ouvir a amiga falando sozinha e depois gargalhando.

- Você está ficando louca? Rindo sozin... – Ela cortou a frase assim que entrou no quarto e se deparou com uma cena, no mínimo, estranha. Isabel estava sentada na beirada da cama, rindo, enquanto Hector estava com metade do corpo deitado, com as pernas ao lado da amiga. Ambos estavam em meio a risadas e pararam para olhar a amiga que entrou no quarto. Estava escrito no rosto dos dois que eles haviam acabado de ser pegos em algo que não devia ser visto.

- Tá...– disse a garota, desculpando-se e voltando por onde entrou - Eu volto mais tarde.

- Dani! – gritou isabel, levantando-se e segurando o braço da amiga – não é o que você está pensando. Pode entrar.

- Sua cara foi impagável - comentou Hector, em meio a risadas.

- E o quê, exatamente, eu devo achar, então?

- Eu chamei o Gabriel para vir aqui ontem, logo depois de você ir dormir. – vendo a expressão da amiga, Isabel se apressou em terminar – Pra perguntar sobre algumas coisas, me atualizar de tudo, sabe?

- E para passar um tempo com seu velho amiguinho – acrecentou o vampiro, que ainda ria.

- Pára de rir, criatura! Tá, basicamente, vocês passaram a noitem conversando?

- Isso.

- Mais nada?

- Nadinha.

- E tu não entrou no meu quarto de noite, não é Hector?

- Não... Por que?

- Nada não.

Depois disso, Dani pediu a Isabel algumas roupas emprestadas. Hector acabou sendo expulso do quarto.




- Eu mereço... – resmungou o vampiro, logo após receber a notícia sobre o desfecho da tentativa de invasão à propriedade do clan licantropo – Vinte... Vinte vampiros e metamorfos...- continuou ele, agora ainda mais baixo, pois estava chegando na sala de reuniões - Sinto que vai sobrar pra mim...

Ele se aproximou da porta, guardada por dois vampiros armados.

- Sebastian Illuminati.

Rapidamente, os dois vampiros se afastaram de seu caminho e abriram a porta. A sala circular a sua frente era razoavelmente grande. O chão era completamente coberto por diversas tapeçarias sobrepostas de forma aleatória e, ainda assim, harmoniosa, com a exceção de uma única peça redonda, localizada precisamente no centro da sala, contendo um desenho de “LL” em letras góticas. As paredes também tinham tapeçarias penduradas, juntamente com obras de arte e longas peças de seda que desciam do teto. Havia várias cadeiras ornamentadas espalhadas pela sala, mas todas viradas para uma em especial. Essa assemelhava-se a um trono, com detalhes em dourado e seda vermelha. Nela estava sentado um vampiro. Diferente da maioria dos vampiros, que aparenta ter vinte e poucos anos, ele aparentava não menos de setenta.

- Sebastian! – saudou o vampiro sentado na cadeira principal – Como vão as coisas?

- Bom... – ele não podia deixar-se enganar pela atitude saudosa do outro – Acabo de receber os resultados de nossa invasão...

- Naturalmente, fomos bem sucedidos, não é? – houve uma ênfase no final da pergunta.

- Infelizmente... Não.

Menos de um segundo depois de Sebastian responder a pergunta, uma taça de ouro voou na direção de sua cabeça com uma velocidade absurda. O vampiro foi obrigado a desviar para não ter seu belo rosto destruído, o que seria um incômodo para sua rotina. A taça chocou-se contra a parede ao lado da porta, arrancando pedaços do granito que rodeava a entrada da sala.

- Como assim “não”!? – gritou o vampiro, agora caminhando na direção de Sebastian – Nós mandamos VINTE vampiros e metamorfos! VINTE! Eles são TRÊS!

- Eu sei, meu senhor...

- Vocês têm alguma idéia do que aconteceu, pelo menos? – ele parecia estar mais calmo agora.

- Não... Nenhum de nossos homens voltou...

Sebastian acreditou por um momento que ele seria o próximo a voar contra a parede, mas o outro vampiro conteve a raiva.

- Parece que subestimamos eles, novamente. Chame os outos membros do comando. Precisamos nos organizar melhor dessa vez.

-Sim, pai.




- Eu mereço... – resmungou Hector, após ter a porta do quarto fechada em sua cara.

O vampiro logo cansou de esperar e saiu a caminhar pela casa, deparando-se com Guilherme e Sophia, que conversavam animados e pareceram gostar de encontrá-lo.

- Hector! – começou Guilherme – Estavamos falando justamente de você...

- E aí, Gabi – brincou Sophia, que pareceu gostar mais do apelido do que dos dois nomes do vampiro – Não era bem de você, mas algo que te envolve.

- E o que seria, exatamente?

- Veja bem – respondeu Guilherme, tomando a liderança da conversa – Eu e Sophia estávamos discutindo as chances de usarmos um ritual em especial para continuarmos aquela nossa conversa que foi interrompida. Aquela sobre o passado de nossos clan, lembra?

- Ah...- ele não havia entendido o que Guilherme queria dizer com aquilo - Sim...E qual seria esse ritual?

- Bom...

- Basicamente – interrompeu Sophia, que parecia estar estressada por ter perdido o centro das atenções – Vocês dois vão participar do ritual. Como ambos tem uma ligação sanguínea sobrenatural com seus antepassados, eu pretendo usar magia para enviá-los em um “tour espiritual” pelo passado, entendeu?

- Não muito, mas, por mim, tudo bem.

- Sério? – perguntou Sophia, extremamente animada por poder fazer o ritual –Tá! Guilherme, uso o quarto de sempre?

- Sim, sim. Pode ir preparar tudo.

No mesmo instante, Sophia saiu correndo e saltitando na direção das escadas que levavam ao primeiro andar da casa.

- Ela adora fazer rituais aqui. Não sei se é a atmosfera que nós criamos, ou se é o fato de termos praticamente todos os ingredientes que ela precisa para qualquer coisa. Pêlo de lobisomem é caro no mercado mágico, sabe? – brincou Guilherme – Se você tiver problemas financeiros algum dia, peça um pouco para nós que você conseguirá muito dinheiro vendendo ele.

Ambos riram, mas Hector anotou mentalmente aquilo. Uma casa poderia sair mais caro do que ele poderia bancar.

O dois desceram lentamente as escadas, Hector sempre atrás de Guilherme, já que não conhecia toda a casa ainda. Eles entraram em um coredor desconhecido para o vampiro, se aproximando de um quarto que exalava um coquetel de odores extremamente peculiar. Quando eles estavam a apenas alguns metros da porta, Sophia voou para fora daquele quarto, ignorou eles e continuou pelo corredor, descendo por uma escadaria em seu final.

Rindo, os dois continuaram sua caminhada, descendo lentamente. Hector estimava uma descida de 15 metros quando eles avistaram a porta lateral no final da escada. Aquele outro aposento ficava a, no mínimo, vinte metros abaixo da terra!

O “porão” tinha uma iluminação avermelhada, vinda de várias tochas junto às paredes. Quando eles entraram, viram duas mesas altas de pedra, com largura e comprimento para que apenas uma pessoa pudesse deitar sobre cada uma, flutuando na direção do centro da sala. Vários recipentes e ingredientes voavam de um lado para o outro. Frascos de um líquido vermelho voavam próximos ao chão, derramando seus conteúdos, formando desenhos e runas no piso.

No centro de toda a ação estava Sophia, com os braços erguidos, murmurando algumas paravras. Seus cabelos movimentavam-se como se afetados por um vento sobrenatural, e seus olhos estavam voltados para trás, revelando apenas sua parte branca.

Em instantes, o ritual estava preparado. Sophia abaixou os braços, ofegante.

- Pronto – disse ela, erguendo rapidamente a cabeça com um sorriso afetado, mantendo o resto do corpo curvado de uma maneira estranha – deitem-se, por favor.

Guilherme e Hector deitaram-se cada um em uma das mesas de pedra que ladeavam Sophia e o centro da sala.

Então, a garota começou seu canto, primeiro baixo, mas logo o tom de sua voz foi subindo.

- Tãn. Dwr. Gwynt. Tir.

Hector sentiu o corpo preso contra a mesa.

- Hrabrost. Strah.

O vampiro sentiu uma tontura.

- Gaudium. Hysteria. Insani Speciem.

Sua visão escureceu.

- Spirituele reis! Astraal Reizen!

A única coisa em sua mente era a voz da bruxa. Cada grito era mais ensurdecedor que o anterior.

- Ite! Disce olim superantur!

Tudo ao seu redor desapareceu. Ele não via nada...ele não ouvia nada por um instante.

Então, tudo voltou como um choque.

Ele viu Guilherme deitado em uma cama a sua frente. Ao lado dele estava Miguel. Ambos estavam diferentes, pareciam mais jovens... pareciam doentes...

Foi então que ele notou outros dois homens deitados ao lado deles. Demorou, mas ele reparou no quarto ao seu redor... tudo era tão antigo.

Suas mãos se mexeram sem que ele mandasse.

Lentamente, memórias que não eram suas foram penetrando em sua mente.

Sentimentos de tristeza e preocupação por ver seus quatro filhos sofrendo daquela maneira.

Seus filhos...?

Aquele não era ele...

Aquele não era seu corpo...

Ele não mais era o vampiro chamado Hector...

Ele era o pai de Guilherme e Miguel, o líder do clan Timide...

E precisava salvar seus quatro filhos...

Um comentário:

  1. Eu vo chora já avisei...
    Ta muuuuiiiiitttoooo booommmmmmm
    Ja virei fã a muito tempo... E eu kero mais ¬¬

    ResponderExcluir