sábado, 4 de setembro de 2010

Capítulo 5 – Recordações 3: O Desespero de Uma Nova Vida

Hector nunca havia sonhado desde que acordara para sua nova vida, porém aquela noite foi diferente. Talvez por causa da emoção de reencontrar Isabel, talvez por aquela ser uma noite de lua cheia, ocasião um tanto relevante no seu caso, ou então por causa de algo misterioso como um alinhamento planetário (apesar de duvidar muito desse), mas aquela noite foi diferente. Hector foi novamente assombrado por um fantasma que ele há muito enterrara. O fantasma da culpa.

Gabriel acordou. Ele se sentia diferente, não sabia descrever o que sentia, mas aquilo lhe era agradável.

Ele se sentou. Estava deitado em uma cama dentro de um quarto completamente escuro, mas estranhamente ele podia ver os menores detalhes dos móveis e paredes. Havia uma janela bloqueada por pesadas cortinas, mas considerando a temperatura, os sons que vinham de fora da casa e a mínima luminosidade prateada que passava pela parte inferior da cortina, ele podia deduzir que era noite.

Foi então que ele parou para se perguntar como ele sabia de tudo aquilo. A julgar pelas paredes, deveria ser impossível que ele ouvisse qualquer som vindo de fora. Ainda assim, podia escutar o canto de um grilo na rua, e até mesmo os silenciosos passos de um gato espreitando alguma presa.

Deixando isso de lado, pelo menos por enquanto, ele prestou mais atenção ao resto do ambiente. Ao lado de sua cama havia outra, e nela estava deitada Daniella.

Ao ver a amiga ele finalmente se lembrou do que ocorrera na noite anterior; da comemoração com as duas amigas, da separação de Isabel do grupo, de sua falha tentativa com Dani, do ataque...de todo aquele sangue...

Porém, ao levar a mão ao pescoço, não havia ferimento algum. E, após examinar o corpo da amiga, constatou que ela também não exibia nenhum sinal do que ocorrera na noite anterior.

Qual era o significado daquilo?!

Sua resposta veio na forma de uma mulher loira abrindo a porta do quarto. Ele demorou alguns instantes para reconhecê-la. Aquela era a mesma mulher da noite anterior. Porém agora com uma calça jeans preta, uma brusa branca e um corpete preto de couro por cima.

- Finalmente vocês acordaram – disse ela enquanto caminhava para dentro do quarto.

Como ela era linda!

Ao notar a aproximação da mulher, Gabriel começou a recuar, mas acabou tropeçando e caindo sentado na cama. A mulher esboçou um leve sorriso triste ohando para ele.

- Não precisa se preocupar, não os atacarei novamente.

- O que houve? Onde estamos? O que é isso que está acontecendo comigo?

- Não acha que são muitas perguntas para se fazer a alguém que você não sabe nem mesmo o nome?

Ele era obrigado a concordar com aquilo. Ele fechou os olhos e, após um minuto, conseguiu se acalmar.

- Qual seria o seu nome?

- Chamo-me Elisabeth Illuminatti, e responderei a todas as suas perguntas, após sua amiga acordar.

Eles ficaram se olhando pelo que poderiam ser minutos ou horas, até que, finalmente, Daniella começou a se mover lentamente. Ela se sentou, o cabelo levemente bagunçado por cima de seu rosto que parecia um pouco doente. Ela estava muito pálida.

A garota demorou um pouco para perceber que não estava em seu quarto e, uma vez tendo notado isso, começou a olhar freneticamente ao seu redor.

- Onde raios eu estou?! Gabriel, o que você está fazendo aqui? Você por acaso me drogou e... Se você fez alguma coisa, eu te mato!

- Dani, meu Deus, se acalme!

Daniella olhou então para Elisabeth. Ela pareceu que ía perguntar-lhe alguma coisa, quando sua expressão mudou violentamente para o pânico. Em menos de dois segundos ela havia levantado e corrido para as costas de Gabriel. O garoto ficou em dúvida se ela queria que ele a protegesse, ou se ele era apenas algo como um escudo de carne. Preferia se iludir e achar que era o primeiro.

- Como já disse ao seu amigo, não lhes farei mal algum. Pode relaxar.

Dani lentamente saiu de trás do amigo e sentou-se ao seu lado na cama.

- Pois bem, estamos ambos acordados, poderia responder as minhas perguntas agora?

- Certo, certo. Primeiramente, chamo-me Elisabeth Luminatti. Este é um dos aposentos de uma das minhas casas de campo. Basicamente estamos nas proximidades do município de Tapes, na parte norte da Lagoa dos Patos.

- Lagoa dos Patos?! Beleza, a gente andou um pouco...

- Certo – começou Gabriel – O que aconteceu na noite passada? E o que é isso que estou sentindo agora?

- Verdade, também estou me sentindo... estranha...

- Tá... Agora começa a parte complicada da coisa...

- Se me permite o palpite, você é uma vampira não?

Ambas param e ficaram olhando fixamente para ele. Suas caras eram de espanto, porém em graus e sentidos diferentes. Dani olhava para ele como se ele tivesse falado algo absurdo, mas também tinha um leve tom de histeria. Já Elisabeth olhava-o com curiosidade, junto ao espanto.

- Não seja absurdo...

- Você me surpreendeu um pouco... Sim, sou uma vampira.

Ele havia suspeitado, apesar de ainda duvidar muito de sua teoria. Para ele, vampiros eram apenas seres fantasiosos, utilizados pra assustar crianças e divertir fãs do horror e do macabro como ele.

Foi então que ele olhou para Dani. Sua face agora era uma mistura de terror, surpresa, admiração, e medo, muito medo.

- Eu pretendia fazer isso de uma forma mais suave - continuou a vampira - mas já que as coisas já andaram até aqui... Como você disse, sim, eu sou uma vampira... E vocês também são.

Ouvir aquilo foi um tanto chocante, mas realmente explicava muita coisa; a melhoria em sua audição, sua habilidade de enxergar mesmo no escuro. Mas ainda assim era tudo fantasioso demais.

- Essa, infelizmente, ainda é a parte fácil da coisa. Vocês são vampiros agora. Têm coisas básicas como uma força, velocidade e sentidos desumanamente apurados, mas precisam aprender a controlá-los. E após terem feito isso, poderão ter outras habilidades. Junto a isso, vocês agora têm alguns problemas com coisas como alho, água benta, estacas cravadas em seu coração e a luz do sol. Mas o principal: vocês agora têm sede. E vocês devem imaginar de que...

- Sangue...

- Exato. E é aí que nasce o problema. Vocês precisam se alimentar, e se não o fizerem, seu organismo irá obrigá-los. Vocês irão atacar quem quer que seja, pensando unicamente em se alimentar. Seriam capazes de matar sua própria família...

Ele finalmente entendeu o caminho que aquilo estava tomando...

- Infelizmente... Vocês não poderão mais ver suas famílias, talvez nunca mais...

Aquilo, mesmo não sendo exatamente uma surpresa, ainda era extremamente chocante. Ele pensou principalmente em sua mãe... Aquilo realmente o deixou triste, principalmente porque eles sempre acabaram sendo muito próximos. Mas, infelizmente, ele sabia que não haveria outra solução e aquilo era algo sem volta.

Gabriel ouviu um leve som de choro. Quando olhou para o lado viu sua amiga com a cabeça abaixada, encoberta de cabelos.

- Dani...

Ao olhar para o chão ele notou que havia uma pequena mancha negra no carpete branco, e em seguida outra ao lado e mais outra, todas embaixo de onde estava o rosto de sua amiga.

- Dani?

Finalmente sua amiga levantou a cabeça. Seu rosto estava marcado por dois grossos filetes de um líquido grosso e escuro, que saía de seus olhos, como lágrimas...

- Eu nunca mais poderei ver meus pais? – disse ela em meio às lágrimas, sua voz falhando – Nunca?

- Provavelmente. Na melhor das hipóteses, em um ano, mais ou menos... Se você tiver certeza que eles serão compreensivos a ponto de te deixarem viver sua vida sozinha, sem mais perguntas.

Daniella desabou completamente. Espessas lágrimas daquele choro maldito escorriam por sua pele e caíam, manchando chão. Inconscientemente, Gabriel abraçou a amiga, tentando em vão consolá-la. Ela o abraçou em resposta, um abraço forte o bastante para ter lhe quebrado as costelas se ele ainda fosse humano, completamente tomada pelo desespero.

A única coisa que ele pôde pensar naquele momento foi que era sua culpa. Aquilo tudo era sua culpa. Se ele não tivesse parado Daniella para tentar estupidamente se declarar para ela, se ele tivesse deixado que ela fôsse atrás de Isabel e esperado sozinho, guardado apenas para si próprio aquele destino. Ou então, se tivesse sido forte o suficiente para dizer antes o que sentia e abraçado Dani, fazendo com que nenhum deles tivesse ido na direção de Elisabeth. Nada daquilo teria acontecido.

A culpa era sua. Sua melhor amiga, a quem ele amava desde que a conhecera, estava sofrendo como nunca antes por sua fraqueza. E agora ele não podia fazer nada além de abraçá-la e dizer bobagens como “tudo vai ficar melhor”, quando nem mesmo ele sabia disso.

Naquele instante, Gabriel tomou uma decisão. Ele enterraria aquela fraqueza, aquela paixão boba. Nunca mais ele iria fazer alguém importante para ele sofrer. Daquele dia em diante, ele protegeria Dani, para que ela jamais chorasse daquela maneira novamente.

O garoto olhou novamente para Elisabeth e viu que ela também chorava, menos que Daniella, mas ainda assim chorava. Como se entendesse aquele sentimento.

- Farei o que for possível para ajudar vocês desse dia em diante. Quero que entendam que eu sei que não há perdão para o que eu fiz. Nem mesmo eu me perdoarei por aquilo...

Foi a vez de Dani falar:

- Nós sabemos que você apenas fez aquilo por não ter outra alternativa – disse a garota levantando o rosto, ela ainda chorava, mas mostrava uma expressão diferente agora, de uma pessoa forte – Correto?

Elisabeth acenou com a cabeça concordando.

- Então não há necessidade de perdão.

- Nós pedimos apenas que nos ajude durante os primeiros anos. Após isso, daremos um jeito.

Os três se olharam por algum tempo, até que a vampira loira quebrou o silêncio.

- Venham comigo até a sala de estar. Irei explicar-lhes como tudo funciona e mostrar a casa onde passarão o próximo ano.

Com isso, os três vampiros se levantaram e saíram do quarto.

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