domingo, 29 de agosto de 2010

Capítulo 4 – Recordações 2: Noite Dos Lobos


- Gente... Preciso ir no banheiro...

- Tem de ser agora, Isabel?

-Sim, né! Se não, eu não falaria. Mas é rapidinho. Me esperem aqui embaixo do Monumento do Expedicionário. Já já eu volto. Vocês não vão nem sentir minha falta.

- Disso eu sei...

- Eu ouvi isso!!

Isabel ignorou a provocação e se apressou para ir ao banheiro. Só então ela percebeu... onde ela encontraria um banheiro? A única opção que ela tinha àquela hora seria o banheiro público do parque, e isso realmente não a agradava. Ela foi andando na direção da pequena construção, olhando nervosamente para os lados em busca de algum assaltante, ou então algum tarado. Felizmente ela chegou ao banheiro ilesa, e, para sua sorte, o homem que cuidava do banheiro ainda estava lá, prestes a fechar o lugar.

- Calma, calma. Eu realmente preciso usar... Pode esperar mais 3 minutos?

O homem fez uma cara meio do contra, mas acabou concordando com a cabeça.

- Pode ir.

Aquilo foi tudo que ele disse, e Isabel não precisava de mais nenhuma palavra. Ela entrou no banheiro e, logo no primeiro instante, começou a sentir uma repulsa imensa pelo lugar. Todo o ambiente estava tomado por um forte odor acre de podridão. Ela precisava sair logo dali, não só pela óbvia falta de higiene, mas também por seus amigos que a estavam esperando. Ela procurou uma latrina que estivesse em condições humanas de uso. Após finamente encontrar uma que a última pessoa a utilizá-la lembrara de puxar a descarga, pensou duas vezes com relação a sentar ali. O que lhe garantia que não pegaria uma doença de pele ou algo pior?

Perdeu alguns segundos forrando o máximo possível o assento com papel higiênico para evitar qualquer contato direto com aquela imundice. Aquela cena devia ser muito ridícula para quem visse, pensou Isabel. Ignorando esse pensamento, ela se sentou e fez o que viera fazer. A sensação de alívio foi, como sempre, indescritível.

Terminado tudo, ela foi lavar as mãos apenas com água, já que obviamente não tinha nada semelhante a sabão naquele lugar, e saiu antes que viesse a vomitar.

Agredeceu ao guarda por esperá-la, e este respondeu apenas com um aceno de cabeça. Seguiu pelas árvores na direção de seus amigos, novamente cuidando ao seu redor, porém dessa vez com uma estranha sensação de que não devia estar ali naquele momento.

Foi então que ela ouviu um enorme rugido à sua esquerda. Mas, antes que ela pudesse se virar para procurar a fonte do barulho, uma enorme criatura de pêlos negros caiu sobre ela, jogando-a no chão e cravando suas enormes presas em seu ombro. A dor foi extrema, ela nunca sentira absolutamente nada que se comparasse àquilo. A maior dor que ela já sentira fora na vez que ela caíra de uma árvore e quebrara o braço, mas aquilo não chegava nem mesmo próximo do que ela sentia naquele momento. Ela podia sentir o sangue quente escorrendo do ferimento.

Nesse instante, ela ouviu um grito, tão alto quanto o rugido da fera.

- Miguel!! Não!! Ela não é quem nós estamos procurando! Solte nesse exato momento, irmão!

A criatura soltou o ombro de Isabel, o que lhe arrancou outro enorme grito de dor. Só então ela viu a forma de seu atacante. Ele tinha em torno de dois metros e meio de altura, ombros largos como ela nunca vira antes e um corpo extremamente musculoso. Tinha uma forma lupina, mas ainda assim andava em duas patas. Ela só podia estar sonhando...aquilo era um lobisomem?!

Então o homem que gritara se aproximou dela. Ele tinha um cabelo na altura dos ombros e um leve cavanhaque ao redor da boca. Se ela não estivesse com uma ferida imensa no ombro quase lhe roubando a consciência, teria achado aquele homem muito atraente.

- Pobre garota. Às vezes, essa sua maldição é muito inconveniente, sabia, Miguel?

A fera apenas caiu em quatro patas, abaixando a cabeça. Ela parecia... arrependida?

- Talvez você não vá gostar muito da idéia, mas agora nós teremos de te levar conosco. Qual seria o seu nome?

-Isa...bel - respondeu com grande dificuldade.

-Isabel... Belo nome. Me chamo Guilherme, e esse idiota ao meu lado é meu irmão Miguel. Teremos muito tempo para nos apresentarmos de uma melhor forma... Vamos sair daqui antes que alguém veja isso.

Dito isso, Guilherme fez menção de pegar Isabel em seus braços.

- Com sua permissão...

Ela foi suspensa com grande delicadeza pelo homem, mas mesmo assim seu ferimento doeu ainda mais com a movimentação. Vendo a expressão de agonia na face de Isabel, ele rapidamente pediu perdão, mas disse que aquilo era algo necessário.

Talvez por causa da perda constante de sangue, pela brisa em seu rosto, pelo confortável embalo nos braços de Guilherme, ou então por causa daquele doce aroma que vinha dele, a jovem perdeu a consciência.




Isabel acordou deitada em uma cama, seu ombro completamente enfaixado, e estranhamente muito menos dolorido quanto ela imaginara que estivesse. Ela se sentia estranha, não sabia descrever como, mas se sentia diferente. Ela parou para olhar ao seu redor. Aquele quarto era enorme! Havia duas enormes estantes que íam do chão ao teto, que era razoavelmente alto, completamente cheias de livros.

Uma grande bancada, também repleta de livros, mas que também tinha algumas pequenas estátuas de uma pedra escura e duas que ela julgava serem de ferro bruto. Uma era um emblema e a outra era um ovo do tamanho de uma cabeça, repleto de entalhes que, assim como o emblema, lembravam alguma tribo bárbara. Dentre as outras, a única que se destacava era a de um lobo olhando para cima, como que para a lua.

No quarto, o que mais chamava atenção era uma enorme pintura de um lobisomem de longos pêlos negros, longilíneo e usando vários adornos, como um bracelete com uma gema e algumas jóias penduradas em sua pelagem. Ele descia de uma forma furtiva por entre algumas rochas e olhava fixamente para fora da pintura, como que analizando cada movimento de quem olhava para ele. Embaixo desse quadro, preso na moldura, estava um grande emblema de ouro muito trabalhado onde estava escrito, com uma caligrafia gótica, “Timide”.

Foi então que Guilherme entrou no quarto e, notando que ela olhava para a pintura, explicou.

- É um retrato muito antigo que nos foi dado por um grande amigo e artista que fazia parte do nosso mundo. Ele representa as principais características do nosso clan.

Vendo a pequena confusão na face de Isabel, ele continuou a explicação.

- Sabe, a população de Lobisomens é dividida entre 7 grandes clans. Nós pertencemos ao Clan Timide, também conhecido como Shadow Stalkers, o que você pode entender olhando para o quadro. Se você já viu algum filme de lobisomem, pode imaginar o que acontece com quem é mordido, não?

Só então ela entendeu. A sensação estranha que ela sentia era por isso. E a ausência de dor era porque a ferida talvez já estivesse curada...

- Isso mesmo, você agora é uma Timide.

Ela demorou um pouco para assimilar a informação. Vendo a confusõo dela, ele continuou.

- A partir de hoje, você vai morar conosco e não poderá ver sua família por um tempo. Pelo menos até você controlar completamente suas transformações, mas ainda assim é melhor que você continue morando conosco. A menos que você faça questão de...

- Não acredito que isso realmente tá acontecendo comigo!

- Eu sei. Me desc...

- Que massa! Porque não me morderam antes?

Agora foi Guilherme que ficou um tanto atordoado. Essa garota devia ter problemas. Ele gostara dela.

- Ok... Você reagiu melhor do que eu esperava... Agora, tem mais uma coisa que você deveria saber...

- O que?

- Você estava andando com alguém aquela noite?

Foi então que Isabel se lembrou de seus amigos. Como ela iria explicar para eles? E até que horas eles ficaram esperando por ela? E como ele sabia deles? Será que acontecera alguma coisa...?

- Sim, eu estava...

- Bem, leia isso. É de três dias atrás.

Ele jogou um jornal para ela. A notícia em destaque na primeira página dizia: “Depois de 5 dias de procura, ainda não foram encontrados sinais dos três jovens desaparecidos”. A matéria tratava de um trio de amigos que saíra para comemorar o sucesso no vestibular quando desapareceram. O último lugar onde se teve notícia deles fora no Parque da Redenção, segundo o relato do vigia que cuidava dos sanitários do local. Embaixo de tudo estavam três fotos, com os nomes embaixo: “Isabel Crystal Moreira”, “Daniella Ferreira” e “Gabriel W. Timm Machado”.

Ela congelou... O que acontecera com eles?




- E desde aquele dia eu venho procurando por vocês... E vocês, o que aconteceu?

- Bom...

- Se me permite a interrupção – disse Miguel, que até então não havia pronunciado nenhuma palavra – já está quase amanhecendo e nossos amigos talvez queiram parar para descansar.

- Verdade, irmão. Se vocês não se importarem, gostaria que ficassem aqui. Temos quartos suficientes para todos. Não há motivo para pressa com as novidades, afinal vocês tem vidas imortais inteiras pela frente para porem o papo em dia...

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